Durante a Idade Média, uma criança só era considerada pessoa depois dos oito anos.
A mortalidade infantil dizimava os mais frágeis e não fazia sentido investir em que tinha muitas probabilidades de não sobreviver.
É arrepiante pensar nestes termos, hoje em dia.
Fizemos, de facto, um longo percurso enquanto sociedade.
Mas ainda hoje encontro vestígios de um tempo que considerava as crianças como seres vivos, mas não necessariamente pessoas.
Quando ouço frases como:
-As crianças adaptam-se mais facilmente do que nós.
Não, não adaptam, sobretudo se não lhes explicarem bem em que consiste a mudança e não for muito acompanhada. No meu percurso profissional, encontrei dezenas de crianças que nunca se adaptaram e se tornaram adolescentes “problemáticos” e adultos com “debilidades”.
-É bom que vão para a creche bem pequeninos que é para se habituarem.
Habituarem a quê exactamente? A não terem atenção e afecto personalizado numa altura em que é quase só disso que precisam?
-Então mas ela tem querer? Não a obrigas a comer?
Tem “querer”, sim. Há decisões que sou eu que tomo, como é óbvio, mas a Beatriz não é obrigada a comer, nem a fazer muitas outras coisas importantíssimas, como dar beijinhos/ conversar com quem não quer/vestir uma determinada peça de roupa,… Há decisões ligadas à sua individualidade que eu respeito.
-Ela está bem; está ali com as outras e hoje não chorou.
Mas está a sorrir ou está triste? Estar com mais quinze crianças tristes não é consolo para mim. Cabe-me a mim zelar pelo seu sorriso.
-No meu tempo também era assim e estamos cá todos.
Todos, excepto os que não estão: os números da mortalidade infantil, devido ao aumento de cuidados de saúde, evoluíram de uma forma que nos deve orgulhar. Bem, e “estar cá” não é sinónimo de “estar cá a fazer algo positivo”.
A lista de episódios podia continuar…
A questão é que eu quero crianças autónomas, seguras, com personalidade, responsáveis e Felizes.
E nem todos os meios vão dar a esse fim.
Fotografias da belíssima Phoebe Wahl.
10 de Abril de 2015 às 21:57
Subscrevo cada palavra 🙂
(e fiquei encantada com as ilustrações)…
12 de Abril de 2015 às 0:02
Uma criança não é um adulto, mas é uma pessoa: acho que vai havendo uma certa confusão com estes conceitos.
Bom Domingo!
11 de Abril de 2015 às 15:10
a idade média, a idade das trevas…e continua!
Bom sábado!
Beijinhos
Conheço as ilustrações. Ando por lá quase todos os dias.
🙂
11 de Abril de 2015 às 18:29
Belíssimo texto e ilustrações. ❤ Beijinhos
12 de Abril de 2015 às 10:06
Adorei o texto. ❤
13 de Abril de 2015 às 12:52
Sinceramente, acho que por aqui (Brasil) há uma falta de zelo imenso por parte de boa parte dos pais. Vejo crianças sendo criadas sem cuidado. Fazem tudo que querem, sem limite e em alguns casos, agridem os adultos e estes acham bonitinho porque é a maneira (errada) de tentarem suprir a ausência deles. Enfim, criam-se monstrinhos. Acho que criança precisa sim de carinho, atenção, uma boa educação e limites. Claro que devemos respeitar a identidade de cada um, mas é preciso não confundir os elementos e por aqui, por enquanto, não ocorre sucesso nesse sentido.
Bacio
13 de Abril de 2015 às 13:12
Lunna:
Educar é difícil.
É muito ténue a fronteira que divide “respeitar a individualidade” da criança e o laxismo que pode permitir-lhes serem pequenos ditadores em casa e “monstrinhos” fora de casa.
E nós queremos crianças (e adultos) alegres, com personalidade, mas sensíveis e atentos “ao outro”.
Bacio!
Com saudades de um chá a ler “Catarina voltou a escrever” 😉
13 de Abril de 2015 às 14:56
Não tenho dúvidas de que seja dificil minha cara… aliás, deve ser uma das coisas mais complexas da vida ser responsável pela vida de alguém. Não teria competência para isso, digo sem receio, por isso, nunca pensei em ter filhos. Estudar psicologia me deu certeza de que não sirvo para isso. rs
bacio
13 de Abril de 2015 às 17:52
Adorei o texto e fiquei consolada por saber que há mães assim. Sempre me fez muita espécie o “obrigar a dar beijinhos.” Acho que ainda tenho traumas de infância com as amigas das avós a puxarem as minhas bochechas. Depois admiravam-se que era bicho do mato e arisca. O facto é crianças felizes adultos saudáveis. Quando for mãe, quero ser assim. 🙂
13 de Abril de 2015 às 18:03
Que bom ler estas palavras, Ana!
O que escrevi não é consensual…
13 de Abril de 2015 às 18:09
Infelizmente eu sei que não é. E não falo só de mim. O meu sobrinho as vezes é olhado de ládo porque não dá um beijinho. Eu fico irritada com estes “deveres”. Não me interessa se ele dá ou não beijinho, enche-me o coração vê-lo a partilhar o lanche com o amigo porque o amigo gosta mais do lanche dele, ou dele a consular o amigo que caiu, ou do seu sorriso quando vê alguém que gosta. Isto sim faz sentido, o ele ter o coração grande. Uma criança feliz.
13 de Abril de 2015 às 18:11
Um menino de bom coração: e só isso deveria interessar!
Sabes que mais: não gosto nada de “deveres” e detestaria que me dessem um beijinho por “dever” 😦