Quando teci algumas críticas, alguns alentejanos riram-se coniventes, outros não se reviram nelas.
É legítimo; generalizar é sempre errar.
A minha percepção sobre a realidade é apenas isso: não é a verdade.
O facto de nascermos numa planície seca (Estremoz) ou à beira-mar (Figueira da Foz) entranha-se nos ossos:
alguma parte da medula dos nossos antepassados passa para a nossa; mais até do que gostaríamos de reconhecer, nesta era tão marcada pela ciência e pela tecnologia.
Provavelmente, num clima hostil e num solo árido, os nativos tiveram de ser mais cautelosos e discretos para sobreviver;
junto à costa, tiveram de ultrapassar o medo, enrudecer, para se atirarem ao mar.
Viver nesta cidade pequena no interior de Portugal tem vantagens e desvantagens, segundo esta beirã:
1- Conduzir na cidade é d e v a g a r. O condutor da frente pode até parar, abrir a janela e conversar com um conhecido. Quem vem atrás espera. Se no início, cheguei a buzinar, irritada, agora percebi que eu é que estava errada. Sem ironias! Aonde iremos nós sempre com tanta pressa?
2- A pontualidade é apreciada, mas também ninguém perde as estribeiras se nos atrasarmos. Para quem não usa relógio, isso é maravilhoso!
3- A oferta cultural é quase inexistente. Nós aproveitamos tudo o que há: somos ouvintes residentes da história mensal da Biblioteca, visitamos o Centro de Ciência Viva e vamos todos os meses ao cinema, na única sessão de filmes infantis que existe (os bilhetes esgotam com semanas de antecedência!).
4- Conseguimos ir ao estrangeiro todos os meses. Badajoz é aqui ao lado… e já tem, definitivamente, outra movida.
5- Acontecimentos simples como o Circo ou insufláveis no Rossio fazem as alegrias dos pequenos de uma forma que não acontece numa cidade com muitas solicitações.
6- Há frutas, legumes frescos e ervas aromáticas todos os dias no largo junto à Câmara. Assim dito parece estranho, mas é verdade.
7- Também há póneis e cabras na zona histórica. E não pertencem ao Circo…
8- Há muitos edifícios com história, como conventos ou muralhas num estado tão degradado que parece que a cidade não zela pelo seu passado: fazem parte da paisagem e só quem vem de fora se espanta com o seu estado. A Figueira agradecia parte destes monumentos, sinceramente, temos poucos.
9- Por outro lado, as casas particulares estão sempre caiadas e asseadas. Que bonitas!
10- É bom ver a Beatriz crescer num ambiente tranquilo e protegido, mas pergunto-me se não lhe fará falta contactar com outros estilos de vida e deparar-se com a diversidade.
11- Sim, a forma de vida é formatada; talvez por ser um meio pequeno parece evitar-se a diferença, o arrojo ou a audácia.
12- Quem chega de novo sente pressão (acredito que exercida de forma inconsciente) para integrar-se… dentro dos parâmetros vigentes.
Talvez seja uma consequência da planície seca que se entranhou nos ossos e pede delicadeza mas também conformismo…
Ou talvez seja um sinal do vento forte que me passou pela cabeça desde que eu nasci!
6 de Maio de 2016 às 23:14
Olá Ana !
Muito engraçado o post !
“Não há vidinha como no campo ” ! Cada vez sinto mais isso !
Há vontade e ” força “para aproveitar … ir a todas !
Mais oxigénio e mais pulmão para respirar.
Bom fim de semana !
Beijo,
José
6 de Maio de 2016 às 23:27
Olá José!
Muito verdade, mas também tem os seus “quês”…
Bom fim-de-semana!
Um abraço,
Ana
7 de Maio de 2016 às 0:06
Acho fantástico tudo o que descreves, como gostava de abrandar! Um beijinho e bom fim-de-semana!
7 de Maio de 2016 às 16:26
olá Ana…revi nas tuas palavras o que senti quando cheguei ao Alentejo. Todos me diziam ser impossível abdicar dos meus 40 anos de Lisboa mas impossível foi resistir a este apelo…a paisagem, a contemplação, o apelo da terra, a beleza circundante, o tempo sem tempo marcado, as tradições, os sorrisos, o encanto das gentes, a roda dos amigos á volta da mesa,os sabores e os cheiros do meu passado e registados no ADN como dizes, que vêm ao de cima e se manifestam no prazer reencontrado nas pequenas coisas que nos preenchem, mesmo quando o que se perde em privacidade, se ganha em amizade, simpatia e delicadeza num simples cumprimento de estranhos que nos faz gostar e integrar uma comunidade que nos soube receber….
7 de Maio de 2016 às 18:00
É verdade, Artur!
Especialmente nesta época do ano a paisagem é, de facto, magnífica!
E é bom viver a outro ritmo e ter uma rede de amizades e relações impossíveis numa grande cidade!
A única questão é que o meu ADN tem forma de peixe…
Um abraço!
Ana
7 de Maio de 2016 às 19:33
7 de Maio de 2016 às 20:50
Uma bela aventura pelo Alentejo!
Obrigada, José!
7 de Maio de 2016 às 21:24
Ana,
Esta narrativa a passo e compasso está nos meus olhos ainda a decorrer. É um tempo que não se compagina com pressas (mais) mundanas.
Bom fim de semana,
Mia
8 de Maio de 2016 às 22:36
Ana,
O vento é um dos melhores “transportes” para nos levantar do chão, fazer-nos voar e respirar mais forte lá em cima… Precisamos de dias ventosos, aqueles que por aqui se sentem quase sempre, para nos sentirmos vivos e também para mostrar que alguma turbulência é útil, de vez em quando …
Beijos grandes, da amiga V.
9 de Maio de 2016 às 10:28
Palavras sábias, V.!
Muito sábias, como sempre!
Saudades tuas e com vontade de um programa radical 🙂
Beijinhos,
Ana
10 de Maio de 2016 às 2:51
Ao ler-te, me deu vontade de traçar linhas sobre São Paulo, e desenhar essa cidade que acontece apenas para mim. Tenho para mim que somos uma cidade e esse traço urbano é apenas uma ilusão. rs
Adorei “andar” contigo.
bacio
10 de Maio de 2016 às 10:44
Muito bem visto, Lunna!
Somos uma cidade, cheia de sol e de pontos misteriosos (e também sombrios)!
Gostava de ler “essa cidade de São Paulo”!
Bacio!