“Le souvenir est le parfum de l´âme” – (George Sand).

Vento

12 comentários

Quando teci algumas críticas, alguns alentejanos riram-se coniventes, outros não se reviram nelas.

É legítimo; generalizar é sempre errar.

A minha percepção sobre a realidade é apenas isso: não é a verdade.

 

O facto de nascermos numa planície seca (Estremoz) ou à beira-mar (Figueira da Foz) entranha-se nos ossos:

alguma parte da medula dos nossos antepassados passa para a nossa;  mais até do que gostaríamos de reconhecer, nesta era tão marcada pela ciência e pela tecnologia.

Provavelmente, num clima hostil e num solo árido, os nativos tiveram de ser mais cautelosos e discretos para sobreviver;

junto à costa, tiveram de ultrapassar o medo, enrudecer, para se atirarem ao mar.

Viver nesta cidade pequena no interior de Portugal tem vantagens e desvantagens, segundo esta beirã:

1- Conduzir na cidade é   d e v a g a r. O condutor da frente pode até parar, abrir a janela e conversar com um conhecido. Quem vem atrás espera. Se no início, cheguei a buzinar, irritada, agora percebi que eu é que estava errada. Sem ironias! Aonde iremos nós sempre com tanta pressa?

2- A pontualidade é apreciada, mas também ninguém perde as estribeiras se nos atrasarmos. Para quem não usa relógio, isso é maravilhoso!

3- A oferta cultural é quase inexistente. Nós aproveitamos tudo o que há: somos ouvintes residentes da história mensal da Biblioteca, visitamos o Centro de Ciência Viva e vamos todos os meses ao cinema, na única sessão de filmes infantis que existe (os bilhetes esgotam com semanas de antecedência!).

4- Conseguimos ir ao estrangeiro todos os meses. Badajoz é aqui ao lado… e já tem, definitivamente, outra movida.

coca cola badajoz

Uau! Um centro comercial!

Uau! Um centro comercial!

5- Acontecimentos simples como o Circo ou insufláveis no Rossio fazem as alegrias dos pequenos de uma forma que não acontece numa cidade com muitas solicitações.

insuflável

6- Há frutas, legumes frescos e ervas aromáticas todos os dias no largo junto à Câmara. Assim dito parece estranho, mas é verdade.

câmara perfumada

favas no mercado

7- Também há póneis e cabras na zona histórica. E não pertencem ao Circo…

ponei no castelo

8- Há muitos edifícios com história, como conventos ou muralhas num estado tão degradado que parece que a cidade não zela pelo seu passado: fazem parte da paisagem e só quem vem de fora se espanta com o seu estado. A Figueira agradecia parte destes monumentos,  sinceramente, temos poucos.

9- Por outro lado, as casas particulares estão sempre caiadas e asseadas. Que bonitas!

10- É bom ver a Beatriz crescer num ambiente tranquilo e protegido, mas pergunto-me se não lhe fará falta contactar com outros estilos de vida e deparar-se com a diversidade.

11- Sim, a forma de vida é formatada; talvez por ser um meio pequeno parece evitar-se a diferença, o arrojo ou a audácia.

12- Quem chega de novo sente pressão (acredito que exercida de forma inconsciente) para integrar-se… dentro dos parâmetros vigentes.

Talvez seja uma consequência da planície seca que se entranhou nos ossos e pede delicadeza mas também conformismo…

Ou talvez seja um sinal do vento forte que me passou pela cabeça desde que eu nasci!

 

 

 

 

Autor: Frasco de Memórias

http://frascodememorias.com

12 thoughts on “Vento

  1. Olá Ana !
    Muito engraçado o post !
    “Não há vidinha como no campo ” ! Cada vez sinto mais isso !
    Há vontade e ” força “para aproveitar … ir a todas !
    Mais oxigénio e mais pulmão para respirar.
    Bom fim de semana !
    Beijo,
    José

  2. Acho fantástico tudo o que descreves, como gostava de abrandar! Um beijinho e bom fim-de-semana!

  3. olá Ana…revi nas tuas palavras o que senti quando cheguei ao Alentejo. Todos me diziam ser impossível abdicar dos meus 40 anos de Lisboa mas impossível foi resistir a este apelo…a paisagem, a contemplação, o apelo da terra, a beleza circundante, o tempo sem tempo marcado, as tradições, os sorrisos, o encanto das gentes, a roda dos amigos á volta da mesa,os sabores e os cheiros do meu passado e registados no ADN como dizes, que vêm ao de cima e se manifestam no prazer reencontrado nas pequenas coisas que nos preenchem, mesmo quando o que se perde em privacidade, se ganha em amizade, simpatia e delicadeza num simples cumprimento de estranhos que nos faz gostar e integrar uma comunidade que nos soube receber….

    • É verdade, Artur!
      Especialmente nesta época do ano a paisagem é, de facto, magnífica!
      E é bom viver a outro ritmo e ter uma rede de amizades e relações impossíveis numa grande cidade!
      A única questão é que o meu ADN tem forma de peixe…
      Um abraço!
      Ana

  4. Ana,
    Esta narrativa a passo e compasso está nos meus olhos ainda a decorrer. É um tempo que não se compagina com pressas (mais) mundanas.
    Bom fim de semana,
    Mia

  5. Ana,
    O vento é um dos melhores “transportes” para nos levantar do chão, fazer-nos voar e respirar mais forte lá em cima… Precisamos de dias ventosos, aqueles que por aqui se sentem quase sempre, para nos sentirmos vivos e também para mostrar que alguma turbulência é útil, de vez em quando …
    Beijos grandes, da amiga V.

  6. Ao ler-te, me deu vontade de traçar linhas sobre São Paulo, e desenhar essa cidade que acontece apenas para mim. Tenho para mim que somos uma cidade e esse traço urbano é apenas uma ilusão. rs

    Adorei “andar” contigo.
    bacio

    • Muito bem visto, Lunna!
      Somos uma cidade, cheia de sol e de pontos misteriosos (e também sombrios)!
      Gostava de ler “essa cidade de São Paulo”!
      Bacio!

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