O meu Pai cursou História e aprendeu mais sobre os nossos antepassados, em Portugal e no Mundo.
Mas o que sempre lhe interessou foi a História local, aquela que ainda não está suficientemente investigada e que, muitas vezes, se confunde com lendas e histórias antigas.
Também a forma como as pessoas viviam e como falavam o fascina.
Começou por registar alguns dos vocábulos usados no Vale do Mondego, assim como histórias ainda ouvidas nos serões de fogo.
Parece impossível, mas o meu Pai ainda é do tempo em que não existia luz eléctrica nas aldeias do litoral, na região centro do país!
Poucas décadas mais tarde – hoje – ficamos histéricos se alguém é infoexcluído!
Como se essa aptidão, por si só, fosse passaporte de felicidade.
Pessoalmente fico mais histérica por ver que tantas expressões estão a desaparecer e que estamos linguisticamente normatizados e, consequentemente, mais pobres.
Não sou saudosista do Portugal rural e, muitas vezes, miserável, mas apavora-me o facto de ficarmos uniformizados.
E perdermos expressões cheias de graça, como estas:
ter achaques – adoecer com mal de pouca gravidade
asnear – fazer asneiras (ouvi muitas vezes, quando era pequena!)
arrochada – pancada com arrocho – pau curto de apertar a carga
cangote – nuca
caturrar – discutir
descoroçoado – desanimado
donairoso – gracioso (que graça!)
maciota – cama (adoro esta!)
surrobeco – tecido de lá grosseira, cor de mel, usada na capa dos pastores.
surdir – resultar, render.
Só retirei algumas da enorme lista compilada.
Em relação aos contos que o senhor meu Pai anda a recolher, a leitura prossegue e vou-me deliciando com o Português solto e cheio de graça.
O Português que eu cheguei a ouvir na aldeia, quando era pequenina, esfolava os joelhos na bicicleta e todos à minha volta eram felizes.
Como acho que este senhor merece estar na web, cá vai o meu Pai.
6 de Outubro de 2016 às 22:14
Parabéns. Muito orgulho num progenitor assim. Conheço algumas das expressões : sudir, era muito usado pela minha avó, sempre que o dia não lhe rendia o efeito pretendido. 😀
7 de Outubro de 2016 às 14:26
🙂
São expressões que, infelizmente, têm vindo a perder-se, numa época em que ser moderno é ser igual aos demais.
6 de Outubro de 2016 às 22:29
A língua é mutante, nós mesmos não falamos mais como falávamos no ano passado. O português e o brasileiro ainda foram roubados com o tal acordo ridiculo ortografico. Mário de Andrade escreveu Macunaíma e usou a lingua ‘falada’ aqui, a que sofri para entender. rs
Sempre me pego dizendo ‘muito giro’ e todos me olham sem saber do que se trata. Aqui é apenas ‘maneiro’ mas não me diz nada.
O ‘obrigado’ também não me agrada. Me sinto apenas obrigada e não agradecida. Prefiro o ‘grazie’.
Enfim, umas somem, outras aparecem e a gente tenta se manter fiel aos nosso diálogos. rs
Adorei a figura de tuo papa… belo sorriso.
bacio
7 de Outubro de 2016 às 14:31
Lunna:
Cada um de nós sente a Língua de forma muito pessoal e esse facto só a enriquece.
Por aqui, tem havido uma simplificação e mesmo a TV usa umas centenas de palavras que não enriquecem ninguém.
Esse tal de Acordo nem é bom falar.
Gosto tanto de ouvir o Português do Brasil, precisamente por ser tão diverso e vocabularmente mais rico – com os seus neologismos e arcaísmos!
Gosto do “grazie”, do “giro” e do “bacio” 🙂
Bacio!
7 de Outubro de 2016 às 7:32
Parabéns ao teu pai, pelo estudo e interesse em compilar estes vocábulos e histórias locais. Alguns conheço, outros não! Fiquei curiosa por conhecer as lendas desta região. E um livro?
7 de Outubro de 2016 às 14:34
O livro anda a crescer 🙂
Beijinhos, Joana!
7 de Outubro de 2016 às 13:49
Tanto aí quanto cá, no Brasil, nossa língua perde pouco a pouco um pouco de sua riqueza. Tristeza maior é ver que a maioria das pessoas não dão importância para isso. Adorei rever esses termos e palavras que caíram em desuso. Isso é história! E seu pai, que graça! Que continue a preservar a história de vocês. Abraço querida!
7 de Outubro de 2016 às 14:33
Muito verdade, Roseli!
E há palavras tão expressivas que é mesmo triste que se percam!
Um abraço!
20 de Outubro de 2016 às 19:54
No Brasil usamos a expressão “cangote”, mas também está caindo em desuso, com exceção de regionalismos.
Muito simpático seu pai, parece uma pessoa carismática 🙂
20 de Outubro de 2016 às 20:57
Fico com pena que palavras tão expressivas se percam… e sobretudo que a língua se uniformize.
Meu pai é carismático, sim. Obrigada 🙂
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