Antero de Quental foi, até ao último fôlego (suicidou-se em 1891), um homem desassossegado:
muito instável, ora entusiasmado, ora descrente, em relação aos outros, a ele próprio, a Deus. Nega-O, na Sua versão católica, mas consegue escrever poemas plenos da religiosidade que (pessoalmente) me interessa.
A um Crucifixo
Nem padeceste em vão, quem quer que foste,
Plebeu antigo, que amarrado ao poste
Morreste como vil e faccioso.
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Desse sangue maldito e ignominioso
Surgiu armada uma invencível hoste…
Paz aos homens e guerra aos deuses! ‑ pôs-te
Em vão sobre um altar o vulgo ocioso…
Do pobre que protesta foste a imagem:
Um povo em ti começa, um homem novo:
De ti data essa trágica linhagem.
Por isso nós, a Plebe, ao pensar nisto,
Lembraremos, herdeiros desse povo,
Que entre nossos avós se conta Cristo.