A Eliete tem quarenta e dois anos e uma vida aparentemente comum, uma “vida normal”, como escreve Dulce Maria Cardoso, na capa do seu último livro.
Quarenta e dois anos e uma “vida normal”… tal como eu.
“Quando acabei de me maquilhar no espelho da casa de banho e me vi depois no de corpo inteiro, fui surpreendida por uma mulher atraente. Não me pareceram trágicas as marcas dos mais de quarenta anos de vida, admirei o meu cabelo forte, apesar de saber as suas raízes a embranquecerem, e agradou-me que as rugas dessem algum mistério aos meus vulgares olhos castanhos. Fiz passar com vagar o indicador direito ao longo do contorno do meu rosto que, ao começar a indefinir-se, ganhava finalmente caráter. Descobri, como quem entrevê um velho conhecido ao longe, as minhas feições de jovem adulta. A jovem adulta que fora igual a milhões de jovens adultas de beleza mediana dera lugar a uma mulher que carregava uma história, e a minha história distinguia-me de qualquer outra. Até o dente torto que tanto me atormentou se afirmava agora único entre os sorrisos certos e demasiado brancos das clínicas de implantes espanholas. Não cheguei a enterrar o machado de guerra, mas aceitei as tréguas que o meu corpo a envelhecer me oferecia, se não nos podíamos separar teríamos de pelo menos arranjar maneira de ficarmos em paz, e quanto mais unidos estivéssemos mais imbatíveis seríamos perante os outros.”
Num arrebatamento saudável mas infantil, só me ocorre dizer que Dulce Maria Cardoso é, neste momento, a minha escritora preferida!
Sérgio de Almeida Correia argumenta no Delito de Opinião!
9 de Março de 2019 às 12:56
Ufa, maravilhoso! De forma tão leve, expressou o que muita de nós sente a uma simples olhadela no espelho após os 40! Beijo
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