A mais bela (e verdadeira!) descrição de um beijo é de Afonso Cruz.
No livro Princípio de KARENINA :
“Recordo muito bem o trajecto que os nossos lábios, os meus e os da Fernanda, fizeram pela primeira vez, uns na direcção dos outros, até se tocarem, a sua lenta aproximação, o tempo ia desacelerando, as pálpebras caíram criando a noite, a noite melancólica dos amantes, os lábios cada vez mais perto, a respiração quente (há quem diga que é doce, mas é uma hipérbole poeticamente pobre, um beijo tem de ser tudo menos doce, tem de conjugar demónios), os lábios cada vez mais perto, o coração cada vez mais como as gazelas do monte Hebron, os lábios cada vez mais perto, talvez as nossas mãos se tenham apertado, o rosto enrubescido (noutras alturas fica corado, mas com os beijos enrubesce, há um glossário apropriado a todas as situações e devemos estar atentos à linguagem certa, devemos muito à exactidão), os lábios cada vez mais perto, o coração aos pulos pelo monte Hebron, as pernas frágeis e vacilantes sob o peso do que está para vir, os lábios cada vez mais perto, mil anos mais perto, pois o tempo está quase parado, uma inspiração entrecortada, arrepios pelo corpo, os lábios cada vez mais perto, uma eternidade mais perto, os pêlos dos braços eriçados, a pressão na boca do estômago, alguns cabelos colados à testa com o suor do calor de Julho, as bocas entreabertas, os lábios cada vez mais perto.
E tocaram-se.”
