Foi um Verão muito feliz!
Aconteceu-nos a dádiva com que todos somos agraciados e que tendemos a esquecer, durante a vida: o nascimento.
A Leonor, tão pequenina, nasceu e manifestou logo os seus super-poderes: fez-me acreditar que o mundo ainda tem salvação.
Se nascemos tão belos e puros, isso só pode significar que viemos em missão de paz e havemos, mais cedo do que tarde, de retomá-la e expandi-la.
♥
O poeta Jorge de Sousa Braga sabe bem o que se passou nestes últimos meses na vida da Leonor e escreveu um diário poético.

Diário de Bordo
Mãe
hoje abriu-se uma janela pela primeira vez
mas tudo o que pudeste ver foi um pequeno lago de águas
adormecidas,
rodeado por margens de areia brilhante
um pequeno lago alimentado por inúmeros afluentes
Mãe
passou uma semana e o meu minúsculo coração agita já as águas desse
lago
Estou agarrado à margem vejo ao longe uma pequena bóia
mas o medo impede-me de me afastar
Mãe
porque é que andas tão enjoada?
Passas a vida a correr para o quarto de banho
Não toleras o cheiro a fritos nem o after-shave do pai
Espero que não enjoes do cheiro a jasmim
Por favor não me confundam com um girino
Embora não tenha nada contra as rãs
e muito menos contra as libélulas que povoam os outros lagos
Mãe
estou a ficar velho
disseram-me que já deixei de ser embrião
Mediram-me a translucência da nuca
e eu aproveitei para realizar algumas pequenas acrobacias
Hoje fiquei finalmente a saber que tinha ventrículos pulmões
estômago e uma série de coisas mais
incluindo uns grandes lábios que quase pareciam bolsas escrotais
E eu que pensava que aquilo que tinha entre as pernas era uma rosa
Mãe
Porque é que meu coração bate tão acelerado?
Por mais que tente não consigo sincronizá-lo com o teu
Mãe
Só conheço a cor do crepúsculo
Estou morto por conhecer as outras cores do arco-íris
Mãe
Hoje surprendi-te quando te olhavas nua ao espelho
as mãos sobre o púbis segurando a barriga enorme
Mãe
Às vezes os dias são um pouco monótonos
de forma que me entretive a fazer nós com o cordão umbilical
Mãe
Estás com umas olheiras enormes
Pelos vistos não te deixei dormir
Passei a noite toda a deambular pelos recantos mais sinuosos do teu
útero
a ver se descobria alguma água-marinha
Mãe
Podias ter colocado alguns peixinhos no líquido amniótico
Já agora um beta e alguns escalares
E porque não alguns nenúfares?
[…]
Mãe
O que está a acontecer?
O teu útero começou a contrair-se
e as contracções vão-se tornando cada vez mais frequentes
Mãe
O que é que eu fiz
para me expulsares assim desta maneira?
Mãe
A distância entre mim e ti
não se mede em centímetros mas em lilases
♥
Jorge de Sousa Braga é poeta e médico, especializado em Ginecologia e Obstetrícia; portanto, reúne todos os conhecimentos científicos para relatar os sonhos do bebé quando este ainda nada na barriga da mãe.
Pela fotografia da Leonor, sei bem que a sobrinha mais linda do mundo ainda sonha com jasmim, peixinhos e escalares riscados.
Mas estou certa de que irá deslumbrar-se muito em breve com as cores do arco-íris.
Quanto a mim, vou tentar honrá-la e manter o foco na missão que me permitiu nascer: expandir a paz.
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12 de Setembro de 2020 às 23:55
E que dádiva é a chegada de um bebé à família!
Muitas felicidades para todos.
Adorei conhecer o poema e o autor,
13 de Setembro de 2020 às 19:13
É mesmo! Renova-nos a esperança que anda tão desgastada!
Felicidades para a Dulce!
17 de Setembro de 2020 às 12:26
Nesse 2020 louco-insano com tantos malucos a solta é bom ter algo de renovação…
Não me lembro de antes ter lido o poeta. Mas o nome não me pareceu estranho.
Gostei do diário poético e do peixe no líquido amniótico.
Que o teu outono seja solar também.
bacio
17 de Setembro de 2020 às 19:42
Também não conhecia, mas gostei muito deste diário de bordo que todos nós percorremos um dia 🙂
Votos de que a Primavera seja sinónimo de renovação no Brasil (e no Mundo)!
Bacio