As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino, são um desafio para quem, como eu, é impaciente e tendencialmente dispersa. Na verdade, são um desafio para quem vive no milénio do fácil, do imediato e da acção.
Nada acontece neste livro descritivo, mas tudo pode acontecer se nos permitirmos.
Marco Polo descreve ao imperador Kublai Khan cinquenta e cinco cidades com nomes de mulher, por onde a nossa mente viaja, somente interrompida pelos comentários do imperador mongol.
Apesar de aparentemente fantasiosas, estas cidades são trágicas, porque são criações humanas.
É cada vez mais evidente a incapacidade que temos de, juntos, atingirmos a orla do sublime.
Marco Polo termina a sua descrição desta forma absurdamente atual:
“O inferno dos seres vivos não é uma coisa que há-de acontecer; se ele existe, já está aqui presente, o inferno que habitamos todos os dias, que constituímos estando juntos.
Há duas maneiras de não sofrermos com isso.
A primeira torna-se fácil para muitos: aceitar o inferno e tornarmo-nos parte dele até ao ponto de já não o vermos.
A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas:
procurar e saber reconhecer quem e o quê, no meio do inferno, não é inferno, e fazê-lo durar e dar-lhe espaço.“
Tenho muita dificuldade com a hipótese A, embora seja a mais cómoda.
Os “mass media” confundem-nos e é difícil discernir o que é e o que não é inferno: como digerir tanta violência, apelo ao consumismo, sensacionalismo, polarizações, dicotomias simplistas, catadupa de informação, … ?
É preciso ócio, humildade, reflexão e conhecimento para procurar a Hipótese B, valores antagónicos ao novo milénio.
É preciso coragem para caminhar (quase) sozinha.

Imagem: IGNANT.