Foi há três anos que o meu Tio de Coimbra me ofereceu este livro no Natal.
A Beatriz nasceu, sucederam-se outras leituras e eu sentia que tinha uma dívida para com o Tio Bivô.
Todos os portugueses têm familiares que retornaram das ex-colónias.
Eu também.
Os meus pais escaparam a essa catástrofe nacional por um acaso do destino: a minha Mãe tinha os sapatinhos brancos prontos para a grande viagem para Moçambique, mas arranjou um emprego muito bom em Portugal.
O meu Pai regressou à metrópole e assim acabou em bem esta história.
Não foi assim para mais de um milhão de portugueses.
O Retorno de Dulce Maria Cardoso relata esses meses entre os últimos dias em Angola e os primeiros tempos em Portugal.
O narrador é um adolescente de 16 anos.
“Mas na metrópole há raparigas lindas. Raparigas com brincos de cereja, laços de cetim no cabelo e saias rodadas pelo joelho como nas fotografias das revistas que comprava na tabacaria do Sr. Manuel. O Sr. Manuel foi o mais esperto, embarcou com a família no Príncipe Perfeito no dia 31 de dezembro do ano passado, ainda quase não se ouviam tiros nem o martelar dos contentores, não vos dou um ano para estarem todos a fazer o mesmo, queira deus queira que nessa altura ainda haja navios e madeira bastante para encaixotarem o que têm, queira deus queira.
Agora já sabemos que deus não quis.”
O relato é tão vívido e intenso que eu adormeci angustiada durante várias noites, pensando no que seria a minha vida se me expulsassem da minha casa e do país que sinto como meu com uma mala e uma nota de cinco contos.
E se aterrasse num outro país que eu só conhecia dos mapas da escola, sem emprego, sem casa e (por vezes) sem família voluntariosa a receber-me?
A angústia aumenta quando fecho os olhos e sinto que nesta casa onde durmo se viveram esses momentos de dor, revolta e tristeza.
Esta imagem foi publicada aqui.
Esta é daqui.
São as filas intermináveis para embarcar no avião da TAP que trazia os retornados para a metrópole.