O café das 9:30h é vital:
os corredores fecham-se, escuros e ansiosos, até que desço as escadas e chego ao bar.
A D.Fátima traz-me o café.
Eles bebem sumo de máquina e pedem croissants.
São jovens, são muitos, falam, riem, tocam-se e, às vezes, abraçam-se.
Como nos anos 80, em qualquer liceu, continua a haver grupos populares,
continua a haver os que estão mais isolados, com ar meio abandonado,
continua a haver cabelos apanhados e brincos compridos com sweat a mostrar uma tira de pele na cintura,
continua a haver cabelos eriçados e baços com camisolas largueironas.
Acho que é capaz de haver mais cabelos brilhantes e calças justas do que nos anos 80.
Há, definitivamente!
A pressão para serem sexys é incontornável e começa logo aos 14 anos.
Nos anos 80, só tínhamos de ter estilo…
São mais vaidosas, mais bonitas, maquilham-se e sacodem muito o cabelo, exuberantes.
Belos anúncios…
E eles olham-nas, conversam com elas e também entre si.
Eles estão vaidosos e perfumados.
Tocam-se outra vez.
Parecem soltos e descontraídos.
E eu olho-os e gozo cada momento em que estou só, fora de cena, a desejar que aquela energia fulgurante e o brilho nunca se acabem.
-Obrigada! Estava óptimo o café!
Parece que o pastor Kaldi, que viveu na Absínia, Etiópia, há cerca de mil anos, viu que as suas cabrinhas ficavam alegres e saltitantes sempre que mastigavam uns frutos amarelo-avermelhados.
Kaldi falou com um monge da região, que decidiu experimentar o poder dos frutos e, depois de fazer uma infusão, percebeu que a bebida o ajudava a resistir ao sono.
O café foi cultivado pela primeira vez em mosteiros islâmicos no Yemen.
Chegou à Europa por Constantinopla e, finalmente, em 1615, conquistou a cidade de Veneza.
Alguns clérigos sugeriram que o produto deveria ser excomungado, por ser obra do diabo.
(As tentativas de excomungar o café e a decisão do papa de batizá-lo, no início da Idade Moderna, podem ser explicadas pela associação entre o produto e a Península Árabe, região de predomínio da religião islâmica, considerada demoníaca pelo clero católico.)
O papa Clemente VIII (1592-1605), contudo, resolveu provar a bebida. Gostou do sabor, decidiu que ela deveria ser batizada para que se tornasse uma “bebida verdadeiramente cristã”.
Entretanto, abriram numerosas casas de café: os clientes acomodavam-se em estrados almofadados chamados sofás.
Conversavam, liam, discutiam e jogavam enquanto esperavam e bebiam o café.
O êxito dos novos espaços conviviais estava também ligado a circunstâncias como o baixo preço de uma taça de café, a possibilidade de entrar e sair livremente, a oportunidade de contactar com pessoas para cuja convivência outro pretexto faltaria.
O final de sucesso desta história todos conhecemos bem!
O meu irmão defende a ideia de que a Europa evoluiu intelectualmente quando começou a substituir o álcool, um sedativo, pelo café, um estimulante.
Quanto a mim, fico assim!Imagens do meu ilustrador de 2016, Miles Hyman.